
O governo Lula está convicto que obrigar plataformas digitais a mitigar os riscos para crianças e adolescentes é a melhor forma de, enfim, começar a regular no Brasil serviços conectados, como as redes sociais tocadas por grandes empresas de tecnologia.
Em esforço capitaneado pelo Ministério da Justiça, a administração federal vai começar a trabalhar em duas soluções tecnológicas. Por um lado, vai desenhar um canal único de denúncia de condutas nocivas, que funcione para todas elas, do Instagram ao TikTok. E, por outro, vai elaborar uma forma para esses serviços abrirem mão da autodeclaração e checarem a idade real de usuários para afastar crianças e adolescentes de conteúdos impróprios para suas faixas etárias, conforme previsto no sistema de classificação indicativa.
O Radar Big Tech apurou que as duas iniciativas são um complemento tecnológico para um anteprojeto de lei, que exigirá que as plataformas digitais cumpram leis já existentes no país. Segundo um interlocutor a par das movimentações, há ao menos dois desafios para as ações saírem do papel: primeiro, as Big Tech colaborarem entre si e com o governo; e driblar saídas tecnológicas que, embora atraentes como a inteligência artificial, possam sacrificar a privacidade de usuários.
O que rolou?
Construído dentro do governo por oito ministérios, como Casa Civil, Secretaria de Comunicação e o próprio MJ, o texto do anteprojeto está pronto para ser enviado ao Congresso Nacional. Já as duas ações:
- Foram instituídas em portarias assinadas pelo titular da Justiça, Ricardo Lewandowski, em abril. A ideia é abrangerem redes sociais, lojas eletrônicas, canais de streaming e quaisquer serviços digitais. Cada iniciativa será detalhada por um comitê consultivo. E…
- … Na semana passada, os membros foram confirmados, e o trabalho deve começar em breve. Com validade de seis meses e com a possibilidade de ter o prazo dobrado…
- … A expectativa da Secretaria de Direitos Digitais, que conduz o trabalho, é entregar as proposta das duas ferramentas até o fim de 2025. Ambas pretendem solucionar descompassos de plataformas digitais, já que…
- … Hoje, são descentralizados os canais para denunciar atividades perigosas para menores em risco, do bullying à pedofilia. Cada serviço possui o seu, e a ONG Safernet e a Polícia Federal até compartilham informações, mas mantêm bases próprias. Só que…
- … A solução ideal seria algo simples como um botão, para destinar todas as denúncias a num lugar só. A partir daí…
- … A denúncia seria compilada pelo MJ e disparada para a PF e as polícias locais. Mas…
- … Como as plataformas já dispõem de seus próprios formulários, o entrave aqui seria que adotassem um modelo único e comum…
“O que a gente está falando para as plataformas é: ‘Nós não queremos, enquanto governo, enquanto estado, ter que entrar na sua plataforma para reportar um conteúdo ou receber [denúncia] somente no seu padrão. Esses padrões precisam ser interoperáveis e ter portabilidade para facilitar nossa vida’”
Interlocutor do governo Lula
- … A outra lacuna é a idade. é Hoje, redes sociais permitem a criação de contas a partir de 13 anos. Mas essa idade não encontra respaldo na legislação brasileira, cujo ECA fala em conteúdos apropriados para faixas de idade.
“Nós não queremos classificar conteúdo digital. A gente não vai olhar vídeo por vídeo, mensagem por mensagem. A gente vai classificar o serviço digital.”
Lílian Cintra, secretária dos Direitos Digitais do Ministério da Justiça
- … Aqui, o objetivo é não só transpor para os serviços digitais a classificação indicativa, que já funciona no audiovisual e no mundo do entretenimento, como obrigar as empresas a checarem de fato a idade dos usuários.
Por que é importante
Hoje em dia, a descentralização das denúncias dificulta uma ação rápida e coordenada. As autoridades vasculham as plataformas ativamente em busca de incidentes que envolvam crianças e adolescentes e, quando encontram, precisam acionar uma plataforma de cada vez. Ainda assim, uma só atividade pode estar replicada pelas várias redes. As denúncias unificadas poderiam ampliar a linha de visão do que ocorre nas redes.
Mesmo pela ótica das ferramentas atuais de monitoramento, a situação atual é preocupante. Por meio de convênio com a ONG norte-americana Necmec (Centro Nacional para Crianças Perdidas e Exploradas, na sigla em inglês), a PF recebe diariamente 2,7 mil denúncias de conteúdo abusivo digital no Brasil contra criança e adolescente. A maioria é abuso sexual infantil. No ano passado, eram 1,5 mil.
E essa é a só a ponta do iceberg, já que novas modalidades surgem a todo momento. Uma das modalidades identificadas pela PF que não existia há seis meses é a venda de vídeos de automutilação. Em um grupo digital, um criminoso lança um desafio: gravar um vídeo em que a criança se corta em locais determinados; se mandar a ele, recebe o pagamento de até R$ 20 mil em bitcoin. O revés: se tentar sair do grupo, a criança é ameaçada com a divulgação do vídeo, que, de todo modo, é vendido na dark web.
Já a classificação indicativa será um instrumento para famílias e responsáveis saberem os riscos daquela plataforma, defende o governo Lula.
“Hoje, a sensação que a gente tem é que ninguém sabe direito. Se você está num aplicativo sem chat aberto, sem conteúdo impróprio ou feed infinito, esse design manipulativo, talvez não tenha risco e seja um serviço com classificação livre. Agora, não dá para seu filho poder pegar o celular, abrir um aplicativo e comprar vape de tutti frutti, né?”
Lílian Cintra
A outra face dessa moeda será a checagem de idade. Por ora, a aplicação, que ainda será desenhada, tem sido especulada de três formas:
- Reconhecimento facial: com a câmera do celular, mede características faciais (distância dos olhos, tamanho do nariz e da boca) e um algoritmo estima a idade;
- IA: uma análise do conteúdo do usuário determina sua faixa etária;
- Tokens: por meio dos dados pessoais dos cidadãos à sua disposição, o governo poderia gerar um token anônimo com a faixa etária do cidadão, sem revelar informações como nome, idade ou endereço. Assim que confirmasse a idade na plataforma, o token seria descartado.
Não é bem assim, mas tá quase lá
A partir da derrota do PL 2630, o PL das Fake News, o governo entendeu que regular conteúdo, ainda que o texto fosse mais abrangente, seria um campo minado. Por isso, redirecionou seus esforços para a segurança online e, com essas duas ações, fará valer no digital o que já é regra no mundo físico.
“O que é aplicado no analógico da vida real tem que ser aplicado no digital. É muito absurdo ter que falar isso. Existe um excepcionalismo da internet e parece que tudo para o digital tem que ser recriado, que digital é diferente. Mas não é. A gente viveu transformações tecnológicas que refundaram a sociedade como um todo e não viveu esse tipo de discussão.”
“Você deixaria seu filho sozinho numa praça? A resposta é não. Então por que está deixando seu filho com desconhecidos, anônimos, com chats, com vídeo, com câmera, com voz, com tudo? Não dá. As pessoas precisam ter a dimensão desse risco. E as empresas precisam parar com a retórica da excepcionalidade [da internet] e dizer que regular acaba com a inovação. Não, o que acaba com a inovação é a insegurança.”
Lilian Cintra


Será que… Derrotas da Apple nos Estados Unidos e no Brasil estão prestes a derrubar os preços de serviços digitais no iPhone. Por aqui, o desembargador federal Pablo Zuniga, do TRF-1, mandou a empresa abrir seu sistema operacional, o iOS, para outras lojas e liberar seus usuários para usar sistemas de pagamentos alternativos. São 90 dias para cumprir a decisão.
O Pix… Zuniga diz que a medida evita a consolidação de potencial abuso de posição dominante. O caso nasceu de um inquérito do Cade (Conselho de Administrativo de Defesa Econômica) sobre sobre a conduta da Apple, que recolhe taxas sobre bens e serviços de comercializados pelos aplicativos baixados na App Store.
No iPhone… Nos EUA, essa política de taxas levou a Epic Games, do game Fortnite, a processar a Apple em 2020. Ganhou. Agora, a dona da maçã está sendo obrigada a liberar outros meios de pagamento além do seu próprio. O Spotify já anunciou que vai oferecer planos mais baratos a quem fizer assinaturas por fora da App Store. E, num ato de empolgação, prometeu que vai vender audiobooks via links externos.
Vem aí?… De volta ao Brasil, a Apple enfrenta outra acusação no Cade, a de inviabilizar o Pix por aproximação em iPhones. A empresa recolhe taxas e impõe condições para usar o pagamento sem toque. Bancos e carteiras digitais dizem ser impeditivo pagar à Apple por algo criado e disponibilizado gratuitamente pelo Banco Central. A companhia se defendeu: alegou adotar medidas de segurança em troca da cobrança e que a legislação brasileira não a impede de “cobrar taxa pelos seus serviços”.

Google mostra demais… Na terça (13), o Google vai mostrar o que há de novo no Android. Por um deslize, a empresa deu uma mostra do que virá. Em post publicado sem querer mas já apagado em seu blogo, a empresa apresentou o novo design do sistema operacional, chamado de Material 3 Expensive. O link, porém, foi salvo a tempo pela Wayback Machine.
Espiões no WhatsApp… A Meta vai ser indenizada em US$ 168 milhões pelo NSO Group, empresa israelense que criou e forneceu o vírus Pegasus para invadir o WhatsApp. Jornalistas, ativistas e autoridades governamentais foram espionados com ele. O Pegasus é um vírus que infecta aparelhos “pelo ar”. A Justiça da Califórnia considerou que os espiões quebraram diversas leis de cibersegurança e deve ressarcir a Meta, que informou não pretender ficar com o dinheiro. Vai doar a ativistas digitais.

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Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.

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